A “Arquitetura Digital” aqui não é a da era da informática,
mas sim, a das marcas que cada um apresenta, única e singulares em seu
dedo polegar. É a individualidade que torna a concepção de um espaço
adequado a quem irá ocupá-lo. O arquiteto tem que ser o profissional
preparado para descobrir esta particularidade e, assim, responder
adequadamente com seu ferramental, tornando tal espaço pleno no
atendimento a todas as necessidades desses seus futuros ocupantes.
Não posso admitir projetar uma residência para um “público-alvo”!
"Público-alvo" eu só posso imaginar encontrar em projetos para lojas comerciais.
Como criar espaços que produzam somente efeitos benéficos às vidas
das pessoas que os utilizarem, sem saber quem são, o que gostam, ou não, o que querem e o que esperam da vida estando ali? Como
garantir que meu projeto seja um “plano perfeito” e, esteja tão correto
que me permita assumir tranquilamente este compromisso, seja perante uma
criança, um idoso, um casal de jovens recém-casados, uma
empregada doméstica, um porteiro ou qualquer outro que irá utilizar um
espaço por mim projetado – sem eu ter levado em consideração quem
realmente será este usuário final?
“Que somente se façam empreendimentos com projetos elaborados depois
de vendidas todas as suas unidades, e se conheçam antecipadamente, todos
os seus futuros ocupantes”. Utopia? Impossível? Talvez sim… Talvez não…
Será que não existe uma solução? Alguma maneira que nos permita
projetar sabendo exatamente para quem?
Foi este um dos principais motivos que me levaram nos anos 80, a procurar na Arquitetura de Interiores,
o contato direto com os clientes e a liberdade de criação, tanto na
concepção artística, como, principalmente, na inexistência de normas
técnicas e códigos de leis e decretos rígidos e restritivos, além das
naturais convenções, propostas pela sociedade e ambiente em que se está
inserido.
O foco de minha posição, hoje, é propor o estudo das consequências da
concepção de projetos de edifícios condominiais e de espaços urbanos na
vida das pessoas. Paralelamente, obter, através dos maus exemplos já
construídos, as lições a serem aprendidas de forma a evitar suas
reincidências.
Pouco se fala dos efeitos de uma má arquitetura e de um projeto
urbanístico na grande maioria das vezes equivocado. Nesses casos, os
profissionais acreditam que levam em consideração seus usuários, mas, na
verdade, pautam-se no que seria melhor para a maioria – e essa
abordagem significa, por si só, o não atendimento das necessidades de
muitos. Os resultados possíveis desse processo são, entre outros, os
efeitos nocivos à saúde e à qualidade de vida do morador.
Um espaço criado de forma desqualificada pode transformar atividades
agradáveis em rotinas irritantes e estressantes. Pode alterar nosso
humor sem que saibamos a causa; e, ainda pode prejudicar em muito a
nossa saúde, e até, em longos períodos de desconforto extremo, causar
nossa morte.
Dizer que um projeto de um imóvel não é qualificado pode ser leviano de minha parte, pois não tenho como levar em consideração
quesitos importantes, e avaliar razões diversas, tais como custos,
tempo, riscos, tecnologia disponível, mercado, etc. Porém, é necessário
primeiro, responsabilizar quem elabora e quem tem a obrigação de
fiscalizar um projeto de um “edifício lamentável”. É comum se
encontrarem unidades residenciais extremamente carentes, mas muito bem
maquiadas comercialmente, gerando estímulos irresistíveis que focam
apenas o que se quer mostrar.
Esta “sociedade enganada” precisa se tornar mais consciente e
exigente, através de veículos de informações e de exemplos que a faça
aprender a repudiar de imediato tais projetos inconseqüentes. Com tantos
ganhos em termos de qualidade de vida nas últimas décadas, é esperado
que sejam sepultados definitivamente tais projetos, e assim, inicie-se
uma nova era na relação entre quem faz para ser vendido e quem compra
para ser usado.
Proponho a criação de um “Manual da Excelência Arquitetônica”, onde
seriam listadas as necessidades gerais das pessoas em relação ao local
onde pretendem viver, baseadas em levantamentos de dados, métricos e
ergono-métricos básicos dos moradores da região onde se construirá o
imóvel, acrescidas de determinadas normas legais importantes e
necessárias.
Como exemplo de itens gerais a serem listados no Manual, posso
apresentar a preocupação com um acesso amplo e protegido à edificação,
tendo uma entrada principal e outra pelo estacionamento, pois há décadas
a entrada pelo estacionamento se tornou imprescindível diante da
maioria possuir automóvel, e também, com um sistema adequado para
regular a perda/ganho de calor/frio de dentro para fora e vice-versa
quando for o caso, e ainda, com as dimensões de aberturas, com a
eficiência dos equipamentos, etc.
O Manual contemplaria também, e principalmente, as necessidades
personalizadas, individualizadas, marcadas digitalmente por cada futuro
morador.
Seriam então desenvolvidas as soluções que contemplassem tanto os interesses de empreendedores imobiliários, arquitetos e construtores, quanto dos adquirentes das unidades do edifício ou condomínio ainda a ser construído.
É importante ressaltar que o manual será, por princípio, um organismo
vivo, não finito. Ele representará um retrato das necessidades dos
moradores no momento em que ele for redigido. Depois, deverá ser
atualizado constantemente, com soluções que se adéqüem às novas
demandas, bem como a partir do aprendizado com as experiências
anteriores.
As salas não poderão mais serem mal dimensionadas nem mal
proporcionadas. Não se poderá mais obrigar ninguém a passar diariamente
por uma circulação que lhe seja apertada, ou não usufruir de um sistema
de ventilação e iluminação naturais eficiente. Não acontecerá de o
morador ter que conviver com a ausência de uma solução humanamente
adequada para determinados espaços, mesmo que legislativamente
permitida, fundamentadamente projetada, criteriosamente executada e
maquiadamente vendida (desta forma legal, porém indigna para com aqueles
que ali irão viver). As relações se tornarão transparentes, leais e
verdadeiras, com foco total no que o usuário, e somente ele, considera
como a sua concepção de qualidade de vida.
Você imagina ser consultado pelo arquiteto que projetará o edifício
onde você irá morar dentro de uns dois anos? Que perguntas ele lhe faria
e o que responderia?
“… Eu quero que ela me abrigue da chuva, do vento, do calor e do frio,
me proteja e me dê tranqüilidade e calma ao voltar de um dia de
trabalho. Contenha os retratos dos momentos da minha vida e da minha
família, seja o berço de… etc, etc, etc…”
É preciso que exista uma relação verdadeira entre as pessoas
envolvidas e esta seja transportada para o projeto da casa, de forma que
ela também inspire essa confiança, essa necessária honestidade para com
os moradores. Seu lar tem de ser o que ele é: ter medidas e proporções
adequadas a você, sem ornamentações supérfluas, sem detalhes
desnecessários nas fachadas, sem aquelas soluções simplesmente estéticas
baseadas em gostos relativos. O compromisso com o que é verdadeiro deve
se manter, do início do projeto até o fim da sua execução,
exemplificando condutas entre as pessoas.
Os materiais seguem a mesma regra, sem modificações que interfiram na
sua natureza: pedra, madeira, concreto, vidro, sem revestimentos que
imitem outros materiais, como pisos que imitam mármore ou laminados que
imitam madeira.
Nada de falsidade! Nada de omissões! A comunicação tem que ser
direta, sem interferências difusas. A nova arquitetura não deve esconder
nada: caixas d’água, lavanderia ou o quarto da empregada. Tudo deve ser
o que realmente é, o que se vê porque existe, da melhor forma possível.
A beleza de sua casa estará na dignidade e honestidade, desde o momento
de sua concepção como idéia. Integridade: o que se faz, deve seguir o
que se fala e o que se promete seguido do que realmente será cumprido.
Certa vez, no início de minha carreira, ao iniciar o desenvolvimento de um
projeto de arquitetura de interiores para o apartamento de um jovem
casal, minha cliente, perdeu sua mãe falecida inesperadamente. Chocada e
muito triste, ela não se interessava obviamente por nada que se
relacionasse com o futuro. A dor sempre a trazia para o presente e um
projeto, nada mais é que o planejamento de um “sonho futuro”, a se
realizar em uma determinado prazo.
Imaginei, então, ajudá-la a superar
este momento através das ferramentas que possuía. Desenvolvi uma sala
íntima onde ela viesse a "olhar para cima"! Você quer sair de um
estado depressivo? Levante a cabeça e olhe para cima...
Torneados em mogno com verniz poliuretano alto brilho saíam
horizontalmente da parede nobre do ambiente em direção ao seu centro, e
iniciavam uma curva de 90º em direção perpendicular ao teto rebaixado em
gesso liso, e pintado com tinta esmalte sintético alto brilho na cor
branca.
Em outras palavras, projetei cilindros de madeira com 5cm de
diâmetro, que saíam de dentro da parede principal da sala, a uns 50cm do
teto rebaixado e, ao se aproximarem do centro do ambiente, iniciavam
uma curva subindo em direção ao teto que, pintado com tinta branca
brilhosa, os refletia como um espelho, dando a sensação de “dedos das
mãos a se perderem em direção aos céus”. Não lhe falei sobre minha
interpretação, porém, ela aprovou a idéia de imediato e acredito que, se eles ainda morarem lá, meu
trabalho também ainda esteja lá.
Em inúmeros exemplos pelo mundo afora, os arquitetos têm procurado
introduzir em seus projetos, não só estas sensíveis relações humanas
interiores com seus clientes, como também a relação com o mundo exterior
– a natureza. Nos lugares onde as pessoas vivem, incentiva-se a criação
de jardins internos ou vistas externas, aberturas superiores, tanto
para que se possa olhar para o céu como para se poder trazer luz natural
para o interior.
Implantam-se, até mesmo, lâminas d’agua como lagos
internos, que refletem o entorno, e ainda, utilizam de forma ampla a
transparência dos vidros, e as influências das energias subliminares,
como a Chi no Feng Shui tradicional, tentando unificar os seres humanos
com suas divindades, sejam quais forem, permitindo-lhes obter o prazer e
os benefícios que a energia destas interações proporciona.
Provavelmente, acredito, existe algo mais “por trás das paredes”.
Falamos de “boas energias” mas é necessário falarmos também das “más
energias” que, antagonicamente existem, tal qual o branco e o preto ou o
claro e o escuro. Alguns edifícios possuem grades de fechamento,
alarmes, controles e vidros a prova de balas, ocasionando interiores
escuros e mal ventilados. Muitas vezes não há qualquer visão do exterior
a não ser pelas telas dos monitores de imagens. É como se todos
estivessem ainda vivendo na idade das cavernas, com medo dos animais
ferozes, das intempéries, trovões e ocorrências “inexplicáveis”, fazendo
com que o medo torne a prisão melhor que a liberdade.
Obviamente, não
posso propor exposição a perigos mas tenho a obrigação de pensar a
respeito.
Fugindo um pouco do tema arquitetônico, talvez o problema da
insegurança que nos atinge como cidadãos possa ser resolvido. Acredito
que ele é uma conseqüência de atos inconseqüentes de quem deveria dar
exemplos a serem seguidos mas, pelo contrário, apresentam cada vez mais
maneiras criativas de como “vender a mãe”, enquanto preparam outro
negócio com mais um ente querido, já elaborando as propagandas enganosas
destinadas aos próximos otários. Este vírus já disseminado em quase
todas as atividades humanas, somente será destruído com a modificação
desta mentalidade doentia e egocêntrica, instalada em quem detém este
poder.
Plano para a construção de um milhão de casas? Em que levantamentos
se baseiam as “autoridades competentes”? Nem estas autoridades, nem os
arquitetos, construtores e técnicos de planejamento, têm a menor idéia
do que estão fazendo, do tipo de edifício ou condomínio que estão por
construir. Os resultados destes projetos, sejam políticos e/ou
financeiros, maximizados ao máximo, são prioritários.
É aqui que deve entrar em cena, o Gerente de Projetos, pois ele é o
profissional capaz de equilibrar os interesses de todos os stakeholderes
(envolvidos). Ele é capaz de criar não só os Planos de Custos, Tempo,
Riscos, etc., mas, principalmente, um Plano de Comunicação diferenciado,
contendo um novo sistema que fizesse com que todos os interessados
fossem não só ouvidos (e escutados), mas atendidos em suas reais
necessidades.
Se os investidores, incorporadores e empreendedores imobiliários, os
arquitetos e construtores, bem como os adquirentes dos imóveis,
possuíssem o conhecimento adequado, baseado na observação e exemplos de
outras sociedades mais conscientes e experientes, então entenderiam que
um edifício multifamiliar não é qualquer imóvel que possa ser resolvido
como quem projeta uma loja ou um escritório.
Este público não pode ser
considerado da mesma forma que outros. Ele não pode somente ser
observado como um resultado conjunto de uma pesquisa de opinião local ou
de um “estudo de massa”.
Ali se viverá. Não se pode errar! Esse tipo de condomínio residencial
tem que ser especial, seus espaços devem atender totalmente aos desejos
de cada um que ali irá morar e não a um todo generalizado ou a uma
“grande parcela da população”.
Não quero terminar este artigo de forma pessimista…
Gostaria como arquiteto e gerente de projetos de unidades
multifamiliares, se assim eu o fosse, de poder oferecer a identificação
para aquilo que as pessoas buscam, individualmente, como seus conceitos
de realização de vida. A minha felicidade seria poder criar ambientes
que garantissem a felicidade constante dos seus moradores. Permitir, com
meu trabalho, que as pessoas valorizassem suas próprias vidas
diariamente.
Gostaria que as pessoas interagissem com seus ambientes,
desfrutando de seus espaços personalizadamente bem planejados e para
elas especialmente criados. Que fossem estimuladas de formas diversas
pelas soluções, que juntos pudéssemos ter produzido, tornando esta uma
arquitetura economicamente viável e também, indiscutivelmente humana,
pessoal e digital, a qual considero a proposta mais justa a ser feita
para com todos que dela usufruem.
Para mim, o maior dilema da arquitetura, desde sempre, a eterna
relação “homem x espaço”, sempre representou e ainda representa, uma
conta que resulta em soma!
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Olá agradeço seu comentário.
Logo que possível estarei lhe retornando.
Cordialmente,
Abraão Dahis